Uma proposta de reflexão sobre a mobilidade em Coimbra

intervenção de José João Lucas no Plenário Cidadão de 4 de fevereiro de 2017

“Exige-se um plano de mobilidade em modos suaves (transportes em comum, ciclovias devidamente articuladas, facilitação da deslocação a pé) e de qualificação do espaço físico urbano. Em tempo de crise, investimentos com estas finalidades e promovidos pelo município têm elevado retorno económico na cidade, são essenciais para o emprego e são justos para os cidadãos. Propõe-se, assim, um programa de pequenos investimentos para o bem-estar na cidade e a facilitação da vida coletiva, dirigido à intervenção nas zonas desqualificadas, estranguladas ou que se desqualificaram, de modo a permitir a fruição do espaço público.” – Era assim que o nosso manifesto eleitoral, publicado em agosto de 2013, desenvolvia o tópico 6 a que chamámos “Uma cidade sustentável e de bem-estar”.
Não sendo minimamente especialista, nem sequer estudioso desta área, achei, no entanto, que deveria pôr em comum algumas reflexões que, caso assim o entendam, poderão ser desenvolvidas e enriquecidas com outras, designadamente por pessoas com conhecimento e experiência nesta área. Entendo que a elaboração do nosso programa eleitoral deverá seguir este processo, de modo a ser amplamente participado. Passo a expô-las:
1. Todos nós temos consensualizada a ideia de que um município amigo dos cidadãos e que se preze a si próprio deve ter um especial cuidado com o seu centro urbano e concretizar estratégias que favoreçam a fixação de residentes nesses espaços, tornando-o muito mais denso e vivo do que hoje é.
2. Essas estratégias incluirão, à semelhança do que observamos em muitas cidades europeias de média dimensão, modos de facilitar a mobilidade pedonal, em bicicleta e em transportes públicos motorizados, em detrimento de veículos a motor particulares que, frequentemente, não transportam mais que o seu condutor.
3. Contudo, não existindo as devidas condições de segurança e de comodidade para a deslocação pedonal e em bicicleta, estas formas de mobilidade reduzem-se drasticamente e, não havendo políticas conjugadas de valorização do transporte público, a opção que resta, infelizmente, é o transporte particular.
4. A valorização do transporte público deve entender-se de forma integrada, quer para as deslocações na área urbana, quer nas e entre as áreas suburbanas e destas para a área urbana e vice-versa, quer ainda nos movimentos interurbanos, designadamente no quadro regional. O mesmo se diga para as deslocações para e dos parques empresariais.
5. Daqui a necessidade de conceber e de planear os transportes numa perspetiva intermunicipal, tendo, designadamente, em atenção os movimentos pendulares diários de e para Coimbra. Não faz, pois, qualquer sentido repensar a rede de transportes intermunicipais em redor de Coimbra e excluir este município desse planeamento integrado, como parece estar para acontecer na Comunidade Intermunicipal de Coimbra (CIM de Coimbra), com a cumplicidade desta Câmara.
6. Quem contacta de perto com os transportes públicos desta cidade verifica que a sua utilização tem vindo a decair drasticamente. Haverá diversas razões para isso: a redução da mobilidade da população ativa, porque esta diminuiu e porque foi optando por transportes particulares; a pouca atração que os transportes públicos exercem sobre os jovens, designadamente estudantes; a ausência de estratégias para promover a utilização do transporte coletivo, nomeadamente dentro do perímetro urbano, entre outras.
7. A mobilidade pedonal está muito dificultada na generalidade da zona urbana de Coimbra, dado o estado desfavorável em que se encontram os passeios e as zonas de atravessamento das vias destinadas a veículos motorizados. A mobilidade em bicicleta é igualmente desmotivada pela inexistência de ciclovias, designadamente nas zonas urbanas e suburbanas mais planas. Assim, este meio pode tornar-se uma atividade de risco elevado.
8. Parece também claro que o desenvolvimento do transporte público só se conseguirá aumentando significativamente o número dos utilizadores e isto só se consegue se se concretizarem mudanças que desmotivem o transporte particular e favoreçam a utilização dos meios coletivos de deslocação.
Assim, algumas medidas teriam de ser tomadas:
a) Redução do transporte particular em vias do centro histórico de Coimbra – Baixa e Alta – promovendo simultaneamente a frequência e a qualidade do transporte público nessas zonas. Por exemplo, deveria reconfigurar-se o espaço urbano no triângulo entre a Portagem, o Palácio da Justiça e a Manutenção Militar, reservando as ruas da Sofia e Olímpio Nicolau Rui Fernandes, predominantemente, para transporte coletivo e pedonal, à semelhança do que está feito com as ruas Ferreira Borges, Visconde da Luz e Praça 8 de maio. A dita ‘Via Central’ deveria ter a mesma utilização, até que o projeto do Metro Mondego tenha força política para andar.
b) Construção de parques de estacionamento para automóveis ou alargamento dos já existentes – gratuitos, seguros e acessíveis – num anel circundante da cidade. A partir destes, organizar-se-iam carreiras de transportes públicos para o centro e/ou para os destinos mais procurados na cidade, com horários favoráveis. Esses parques situar-se-iam nos seguintes locais: Ceira/Portela; Vale das Flores; Lages/Exploratório; Almegue/S. Martinho do Bispo/Bencanta; Bolão/Estação Velha; Adémia/Eiras; Coselhas/Fucoli. O caso do tráfego para o CHUC, dado o seu volume, deveria merecer uma atenção muito especial. Temos conhecimento de que já existe um estudo técnico importante sobre este assunto.
c) Alargamento e melhoramento dos passeios. Todos sabemos que, por exemplo, circular em certas artérias da Baixa é um exercício penoso para os peões e muito perigoso para quem tem condições de mobilidade reduzida. Criar mais ruas pedonais e percursos para peões nas outras seria uma medida favorável e simbolicamente relevante.
d) Seleção de espécies de árvores adequadas ao nosso clima e às ruas onde se pretendem plantar e conservação daquelas que se enquadrem dentro dos critérios definidos. As árvores deveriam ser entendidas enquanto instrumentos de qualificação do ambiente urbano, mas deveriam também ser estudadas para não constituírem obstáculos à mobilidade amiga do ambiente.
e) Construção de ciclovias, designadamente nas margens do rio, para as escolas e para freguesias mais periféricas do concelho. Seria importante estimular a população jovem para a utilização da bicicleta, nas épocas mais favoráveis, nos percursos de e para a escola, construindo percursos dedicados a este meio de transporte, não necessariamente junto às rodovias de maior tráfego.
f) Articulação dos SMTUC com as redes interurbanas de transporte rodoviário e ferroviário. Seria fundamental conceber uma rede de transportes numa escala multimunicipal. Para isso, deve ser pedida a colaboração de pessoas especializadas e com trabalho reconhecido na investigação e na aplicação no terreno, designadamente no nosso meio universitário e politécnico. É fundamental também a recolha de informação relevante sobre experiências noutras cidades da mesma escala de Coimbra, em Portugal e no estrangeiro.
g) Monitorização do funcionamento da rede de transportes e prestação de contas. Medidas destas implicarão o compromisso da autarquia de apresentar publicamente os planos de ação, de prestar contas, de avaliar com rigor os efeitos das medidas tomadas e de as reformular sempre que isso se entender aconselhável.
h) O envolvimento das cidadãs e dos cidadãos, promovendo a sua adesão a esta política de mobilidade. A participação da população num projeto de reformulação dos transportes é fulcral para que ele resulte. Os cidadãos e cidadãs têm que ser chamados a opinar, a propor, a avaliar. As escolas teriam aqui um papel fundamental. As propostas técnicas aplicadas sem a colaboração dos seus destinatários degeneram em tecnocracia. Ora o que nós precisamos é de boas e participadas soluções e, sobretudo, de democracia, com vista a tornar Coimbra uma cidade mais atrativa e mais amiga duma mobilidade sustentável.

 
Coimbra, 4 de fevereiro de 2017

José João Lucas

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